domingo, 5 de abril de 2015

Redução da maioridade penal: a quem serves?

Por David Alves Gomes


Tem sido assunto de grande polêmica nos últimos dias, em virtude de a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal ter aprovado a admissibilidade da PEC que propõe a redução da maioridade penal brasileira, atualmente de dezoito anos, para dezesseis anos de idade. Essa seria uma das soluções para a redução da criminalidade no Brasil?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

TREZE MEMÓRIAS

Por David Alves Gomes

Cheguei num bar com dois amigos para pôr os papos em dia. Sentamos em uma mesa em formato triangular, na qual os dois ficaram em posições diagonais a mim: um à direita e outro à esquerda. Papo pra lá, papo pra cá, surgiu a conversa sobre uma possível chacina em um bairro da periferia de Salvador: treze negros mortos, a Polícia alegou confronto com traficantes, testemunhas alegaram execução sumária, somente um indivíduo possuía antecedentes criminais por tráficos de drogas e um outro por brigas no carnaval, nos cadáveres há indícios de práticas de tortura. O amigo da direita foi logo se exaltando:

— Tem que matar todos esses marginais mesmo, rapaz! Esta cidade precisa de uma limpeza. Esses bandidos vivem matando pais e mães de família… a morte para eles ainda é pouco.

O amigo da esquerda discordou do anterior:

— Acredito que a pena de morte não é a solução. Não adianta você matar um, dois,  treze… sempre surgirão outros… O que tem de ser feito é investir no social, em educação; só assim a sociedade melhora.

— Eu entendo que se deve investir em educação. Mas pra certos casos não adianta. Uma coisa é o cara roubar pra comer, esse cara ainda pode mudar, mas estuprador e traficante que tira tantas vidas não tem conserto: é uma praga social. Merece a morte mesmo. — falou o da direita.

— O problema é muito mais embaixo. O traficante não tem medo de morrer. Ele está revoltado contra este sistema de exploração e exclusão. Está disposto a qualquer coisa. Eles já sabem que, ao seguir esse caminho, o que resta para eles é cadeia ou caixão. A maioria deles morre antes dos trinta. Se não se investir em educação e em uma maior distribuição de renda, isso irá se reproduzir de forma continuada. A questão é que o sistema lucra com o tráfico de drogas. No entanto, a guerra ao tráfico é uma guerra inútil, pois você mata um traficante aqui, nasce outro ali. Fora que, como a maioria dos pobres são negros e, consequentemente, a maioria dos traficantes também são negros, a guerra ao tráfico é só mais uma ferramente de perpetuação do racismo, pois se o Estado somente entra com a Polícia na favela e deixa o social de lado, está se dificultando a ascensão social de milhares de negros no Brasil. — argumentou o da esquerda.

— Lá vem você com blá, blá, blá de social. Eu nunca fui rico e não virei traficante. Conheço várias pessoas de favela que são trabalhadoras. — retrucou o colega da direita.

— Mas muitos são seduzidos — salientou o colega da esquerda — matar traficantes como solução para o tráfico é um atestado de incompetência do Estado.

— Incompetência?! Incompetência é deixar que famílias de bem sejam mortas nas mãos desses marginais! — exaltou-se o conhecido da direita.

— Se você me dissesse que se matassem todos os traficantes e assaltantes, a criminalidade iria acabar, tudo bem. Mas a criminalidade não irá se findar dessa forma, pois é o próprio sistema que gera a marginalidade. Morreram treze ontem, nascerão mais treze amanhã. É fato. — afirmou o conhecido da esquerda.

Eu, negro, com o coração fincado na periferia, fiquei estarrecido com a conversa. Eu, negro, percebi que os treze pretos foram julgados e executados sem direito ao contraditório. Eu, negro, percebi que há pena de morte no Brasil para o negro favelado. Eu, negro, percebi que ambos os conhecidos não se preocuparam com as vidas de treze homens negros e banalizaram as suas mortes. Eu, negro, percebi que meus conhecidos consideram os treze negros como pragas sociais: sejam inatas ou geradas pelo sistema. Eu, negro, percebi que ambos consideram as vidas pretas descartáveis. Eu, negro, desconheço os companheiros às minhas diagonais.

— Racistas! — disse em alto e bom som.

Observei as caras de espanto. Provavelmente não entenderam o meu grito. Devo explicar? Sempre dei minhas opiniões em voz alta, mas acho que não quiseram me ouvir. O conhecido à esquerda antes parecia convergir com minhas ideias, agora vejo com nitidez que ele nunca ouviu o que disse. Acredito que estou sozinho nesta jornada, aliás, não estou sozinho: há treze ancestrais que me guiam nesta caminhada. 

    



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CARTA ABERTA A UM MÉDICO

Por David Alves Gomes

Após o resultado das eleições presidenciais confirmando a vitória da presidenta Dilma (PT), recebi a mensagem anônima abaixo pelo Whatsapp. Pelo que escreveu, o autor provavelmente é um médico:

Prezados amigos, enfim terminou mais uma eleição. Serão mais 4 anos de corrupção, impunidade, aparelhamento do Estado e tudo mais que fomos contra quando resolvemos ir às ruas para protestar. Porém ficou claro que quem tem o poder de decisão é o pobre, miserável, que mal sabe assinar o nome, não lê jornal e não tem consciência política, facilmente manipulado por programas sociais que o aprisionam pelo estômago. Diante disso, peço aos amigos um grande favor: não me peçam pra ajudar nenhum pobre. Não me peçam receitas médicas ou pedidos de exames ou ajuda para internamento no SUS, isso porque o povo confirmou que a saúde está muito boa, procurem as filas do sus e os médicos cubanos que rapidamente resolveram seus problemas. Não me entreguem currículos para arranjar emprego, procurem o Senae o Pronatec, pois para o povo as vagas de emprego estão sobrando e com o crescimento econômico vão ter muito mais vagas. Não me peçam dinheiro pra ajudar os mais necessitados, pois pago todos os impostos e o povo brasileiro julgou que a verba roubada dos cofres públicos é insignificante e que não faz falta ao povo. É dessa forma que manifestarei minha indignação pelos próximos 4 anos.

Depois da manifestação do possível médico, elaborei uma carta aberta. Quem sabe a resposta chega até ele.

Médico cubano do Programa Mais Médicos sendo xingado por médicas brasileiras

CARTA ABERTA A UM MÉDICO:

Primeiramente, venho lhe dizer que as manifestações de junho de 2013 surgiram com reivindicações relativas à mobilidade urbana no Brasil. Após, as manifestações tiveram reivindicações genéricas, como o combate à corrupção, mas muitos também levantaram bandeiras como a luta pela legalização do aborto, o combate à homofobia, a autonomia do Ministério Público, o combate ao genocídio do povo negro e inúmeras outras pautas. Por favor, não restrinja as manifestações de junho de 2013 ao combate contra a corrupção, muito menos ao objetivo de tirar o PT do poder. Junho de 2013 não se resume ao seu umbigo. Mas, ainda assim, se formos falar de corrupção, não devemos esquecer das corrupções perpetradas pelo PSDB, inclusive pelo Aécio Neves, como o aeroporto de Cláudio, o helicóptero carregado de cocaína, o mensalão mineiro e todos os outros casos de corrupção que foram arquivados sem julgamento por influências do PSDB. O PT não criou a corrupção no Brasil. Dizer isso soa bastante ingênuo ou leviano (para se utilizar de um termo com que o Aécio Neves gosta muito, talvez por uma imensa identificação pessoal).

Você diz: “ficou claro que quem tem o poder de decisão é o pobre, miserável, que mal sabe assinar o nome, não lê jornal e não tem consciência política, facilmente manipulado por programas sociais que o aprisionam pelo estômago”. É necessário pontuar algumas coisas: o programa Bolsa-Família obriga às crianças beneficiárias frequentarem a escola, o que permite que tais famílias rompam com a tradicional disposição social brasileira: a falta de mobilidade social e o acesso à educação formal, quando milhares de crianças teriam que trabalhar e deixar de estudar para aumentar a renda da família. Acredito que você não trabalhou quando criança. Falo em educação formal porque existem a educação popular e a também chamada educação doméstica, a qual parece que você não adquiriu quando desrespeitou milhares de famílias brasileiras por não possuírem um alto nível de renda e um curso superior. A sua fala traz um imenso preconceito de classe social: será mesmo que não possuir uma educação formal restringe a capacidade de discernimento e inteligência de um indivíduo? Será mesmo que possuir um alto grau de escolarização garante essa capacidade? Você é a prova viva de que a graduação não traz inteligência. Vou fornecer-lhe, de forma gratuita, uma pequena aula sobre a formação social do povo brasileiro.

O Brasil formou-se basicamente através da união de três povos: portugueses, índios e escravizados africanos (falo “escravizados” e não “escravos”, porque os negros não são essencialmente “escravos”, apesar de a elite brasileira considerar como sua propriedade a sua empregada doméstica, que agora possui direitos trabalhistas por causa dos “petralhas”). Claro que ainda tivemos as imigrações europeias, japonesas etc, mas em menor número. Contudo, essa união não fora nada harmoniosa, o Brasil construiu-se com a dizimação dos povos indígenas e com a subordinação de povos africanos ao trabalho forçado. A miscigenação brasileira, que muitos exaltam, surgiu inúmeras vezes através do sistemático estupro de mulheres negras por parte dos seus senhores. O antropólogo Osmundo Pinho afirma que a construção da nação brasileira foi realizada através do sexo, através de uma estrutura de conjuntura que reificava o corpo negro e  dominava o indivíduo através de uma biopolítica nos termos de Foucault: basicamente o controle da vida do indivíduo através do controle do seu corpo, sendo o sexo o caminho para tal. Caso essa passagem tenha ficado um pouco difícil para a sua compreensão, sugiro a leitura de História da Sexualidade do filósofo Michel Foucault. Você pode estar se perguntando: “para quê esse idiota está escrevendo tudo isso?” Veja bem, compreender, ainda que de forma resumida, a estruturação social do povo brasileiro é necessário para entender o presente e escolher caminhos para o futuro. A história do Brasil foi marcada pela subordinação das alteridades das chamadas minorias: mulheres, negros, índios, homossexuais, não cristãos etc. estavam sempre subordinados a um padrão: homem, branco, heterossexual e cristão. É importante ressaltar também que a herança escravocrata, aliada ao racismo, manteve e mantém a maioria dos pobres com cor definida: a cor negra.

Dessa forma, não permitir ou deslegitimar o voto de pessoas pobres atende não somente a um projeto político elitista, mas também racista. A sua concepção de inferioridade intelectual dos pobres está embutida desde quando você talvez se autodenomine “doutor”, somente por ser um médico. O título de “doutor”, na atualidade, somente é atribuído a quem fez doutorado (e mesmo assim no âmbito acadêmico), apesar de médicos e advogados se autodenominarem “doutores”, mesmo sem possuírem essa titulação acadêmica, apegando-se a um decreto da época do Imperador Dom Pedro I (um evidente senso de superioridade e nobreza). Contudo, essas duas profissões tradicionalmente elitistas estão sofrendo rasuras com o governo do PT. Com a adoção das cotas raciais, um negro pobre pode estudar medicina ou direito em uma universidade federal. As cotas não são a solução para a desigualdade social e racial no ensino universitário, mas funcionam como um importante paliativo, pois o ensino básico, ao ser ampliado, fora criminosamente sucateado para que a população pobre não ascendesse socialmente. A luta que devemos levantar é a da melhoria no ensino básico e não a perpetuação de uma elite. Se você não lembra de suas aulas de História, quando o voto no Brasil não era universal, a elite se perpetuava no poder e não apresentava qualquer política que possibilitasse, ainda que infimamente, a ascensão social da maioria da população. Você, com uma aparente preocupação com o povo brasileiro, não quer nada menos que tutelá-lo: aquele “ignorante” que você fornecia com aparente bom grado uma receita médica, não votou em seu candidato. Você tem ojeriza a um pobre, essa é a verdade. Os médicos cubanos possuem uma preocupação social muito maior do que você. Aliás, a medicina cubana é reconhecida internacionalmente, inclusive neste momento com o reconhecimento da OMS à grande atuação dos médicos cubanos no combate ao ebola. Pelo que você escreveu, você descartou todo o seu juramento que fez quando se formou em medicina, pois não está preocupado com a população, quer apenas possuir os seus altos rendimentos, pagar os impostos que tanto enfatiza, e tentar perpetuar no poder um governo elitista, de privatizações, de arrocho salarial, de alto desemprego. Podemos fazer todas as críticas ao atual governo (inclusive eu as faço de forma bastante incisiva e que me fizeram votar nulo por duas eleições), mas ele vem promovendo uma distribuição de renda e reduzindo, ainda que de maneira bastante insuficiente, a desigualdade social e racial que foi construída desde a formação do povo brasileiro. Existem muitos problemas, até porque o PT está aliado ao grande capital (só a direita histérica acredita que o PT é comunista), mas as melhorias pontuais do atual governo ainda assim são imprescindíveis. São essas pequenas melhorias que a classe média e a elite brasileira se incomodam. Para você, talvez seja difícil ser colega de um médico preto não é mesmo? Seja cubano ou brasileiro.

sábado, 4 de outubro de 2014

POR QUE VOTAREI EM DILMA: A CONTRADIÇÃO DE UM SOCIALISTA

Por David Alves Gomes


           
Nas últimas eleições votei nulo. Votei nulo porque considerava (e ainda considero) que nenhum partido representava as minhas aspirações políticas. Não concordo com as políticas petistas adotadas frente às chamadas “minorias” (como os LGBTs, mulheres, negros/as e indígenas). O PT simplesmente se cala frente ao genocídio do povo negro perpetrado pelas Polícias, não avança nos direitos das mulheres (como a discussão sobre a legalização do aborto) e dos LGBTs, além de estar ao lado do agronegócio na dizimação de povos indígenas e com um projeto desenvolvimentista. Por todos esses motivos, e mais tantos outros de ordem político-econômica, votei nulo na eleição passada. Assim, entendo perfeitamente quando alguém, alegando o que foi listado acima, diz que irá votar nulo nestas eleições. Mas por que votarei em Dilma agora?

Com certeza o ser humano é um ser contraditório, pois eu teria todos os motivos para não votar no PT, mas ainda assim votarei. Vamos lá: apesar de o PT não atender a demandas tão urgentes e tão caras, acredito que seja muito pior se Aécio ou Marina sejam eleitos. O governo do PSDB já sabemos como é: privatizações, arrocho salarial, alta taxa de desemprego, quase inexistência de concursos públicos etc. O salário-mínimo com o PT ainda não é o suficiente para a subsistência da população, aliás, ele é baixíssimo. Entretanto, o seu valor tem aumentado bem mais frente à política adotada pelos tucanos: o Armínio Fraga, cotado para ser o Ministro da Fazenda de Aécio Neves, caso este seja eleito, informou que o salário-mínimo cresceu demais: só se for o “salário-mínimo” dele. Marina Silva afirma possuir uma “nova política”, mas será que ela é tão nova mesmo? Vamos listar alguns fatos: Recuo no programa em relação às demandas LGBTs (por “ordem” do Pastor homofóbico Silas Malafaia, que a apoia, assim como o racista e homofóbico Marco Feliciano); o Márcio França, coordenador financeiro da campanha de Marina Silva, é o vice na chapa da candidatura do tucano da Opus Dei Geraldo Alckmin; a banqueira Neca Setúbal, do Itaú, é outra que manda em Marina que tornará, caso eleita, o Banco Central independente, ou seja, a política financeira do país estará sob controle de bancos privados (como o Itaú), aumentando-se as taxas de juros, reduzindo, ainda mais, o poder de compra do brasileiro. Essa política neoliberal é a mesma adotada pelo PSDB, e, talvez por isso, é que o ex-presidente FHC disse que Marina e Aécio devem se unir, deve ser por isso que Marina autorizou campanha conjunta com Alckmin em São Paulo, talvez por isso que existem tucanos na campanha de Marina. Marina diz que irá governar com os “melhores”, mas pelo visto, ou ela esquece, ou o seu cinismo é muito grande (acredito que seja isso), que não existe imparcialidade em qualquer lugar, muito menos na política: os supostos “melhores” que ela escolhe possuem uma determinada visão política que irá atender a certas demandas.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Somos todos macacos s(eu) racista de merda!

Por David Alves Gomes

       Somos todos macacos seu racista de merda!
Estava aqui no meu bem bom, navegando na net, quando me deparo com a seguinte notícia: “Jogador da seleção brasileira de futebol é chamado indiretamente de macaco por torcedores espanhóis que lhe jogam bananas”. Ora, que absurdo! Em pleno século XXI ainda há pessoas desse nível! Imediatamente tirei uma foto da minha webcam comendo uma banana e postei a hashtag #somostodosmacacos. Poxa, temos que aceitar as diferenças! Cada um é do jeito que é. Ninguém é melhor do que ninguém. Tudo bem que eles são mais parecidos com macacos em alguns aspectos – parecem uns macacos quando dançam pagode, hahaha – mas… brincadeiras à parte, ainda assim são seres humanos. Ou não são…? Que doideira, claro que são! Não merecem ser tratados dessa forma, muito menos um jogador da nossa seleção brasileira. O mundo precisa urgentemente se livrar dos resquícios da escravidão, vamos tentar viver em uma democracia racial. Talvez até vivamos, talvez esses casos sejam fatos isolados, de torcedores perdedores que querem irritar os nossos jogadores e vão atingi-los justamente nos seus pontos fracos... Por isso minha campanha vai dar um golpe no racismo: somos todos macacos! Nunca ninguém me chamou de macaco – também não tenho nenhuma semelhança com o animal. Não é que os negros tenham, mas sei lá… é alguma coisa que faz lembrar nas mentes desses racistas estúpidos. Mas agora eu mesmo me chamo de macaco para lutar contra o racismo. Não sei se vão continuar me chamando assim. Mas já fiz minha parte. Agora vou dormir… Aahhh, que sono! Deixe eu dar uma fuçada no face antes… hahahaaha… esse Pedrão é uma figura! Esse negão tá parecendo um macaco nessa foto! – eu chamo ele de macaco, mas ele é meu amigo, amigão do peito, é diferente… é só brincadeira… e de qualquer forma, agora somos todos macacos, não é mesmo?